sexta-feira, outubro 07, 2011

Ao Capitão Luís

O texto abaixo foi escrito por
Almir Amarante Ribeiro

"Esta estória começa em uma pequena vila de pescadores ao sul da Bahia. Eu tinha uns dez ou onze anos de idade e passava as férias naquele lugar. Nunca havia visto tantos coqueiros de uma só vez e o mar que vi em férias anteriores não era tão bonito quanto aquele. Ali, a orla era enorme e podia-se caminhar por quase um dia inteiro em qualquer sentido sem que fosse incomodado sequer pela própria sombra. Fui mais além do que minhas pernas agüentavam para conhecer o encontro de um rio com o oceano Atlântico.
Na tarde anterior vi os adultos conversando sobre a amizade que fizeram com alguns pescadores que os convidaram para um passeio em alto-mar. O convite já me despertou curiosidade, mas me contentei em conhecer a foz de um rio no dia seguinte. Fui andando em direção ao desconhecido e avistei aquele povoado que ficava um pouco depois do encontro das águas, e para ser sincero, não consegui identificá-lo, já que não sabia onde terminava o rio e onde começava o mar.
Minha primeira impressão foi de que aquelas águas do improvisado porto
deixavam a vida tranquila para seguir seu curso e fincar raízes no mar, mesmo que este as obrigasse recuar, assim como as águas do rio faziam em sentido contrário. Ali naquele vilarejo, com margens inocentes e tranquilas, um pouco antes do encontro entre rio e oceano, víamos pescadores cheios de certezas e donos de suas vidas saírem antes do alvorecer com seus pequenos barcos para perseguir a sorte. Aqueles homens ao zarparem pela madrugada e em poucos minutos passarem pela foz, feroz como sempre, respiravam aliviados por terem cruzado o primeiro obstáculo, seguindo rumo ao desconhecido em suas cascas de nozes; indefesos e tementes.
Fui criado longe dali, numa cidade diferente daquela vila que era iluminada por lampiões, bem distante de gente que dormia e acordava cedo para o sustento de sua e da próxima geração. Parece estranho dizer assim, mas estes pescadores não podiam se dar o direito de pensar nas próximas gerações, já que um homem de 50 anos era um velho. A pele carcomida pelo sal, o sol e a distância entre o mar e a terra, fazia-lhes esquecer até o nome dos filhos.
Estes homens ficavam vários dias em seus barcos, sem comunicação com a família, sem saber se iriam encontrar tudo como era antes e sem mesmo ter a certeza de que iriam voltar para os seus. Acho que para esses pescadores, o momento mais difícil devia ser o cruzar a foz do rio. Depois de passar por todas as provações do mar aberto, naufragar perto de casa, devia ser o pior dos pesadelos.
Numa dessas férias, vi isso acontecer. Um experiente pescador, no afã de chegar logo ao porto, enfrentou as águas traiçoeiras, tentando inutilmente domar o mar e o rio. Seu barco só não naufragou, porque era dia e todos estavam a sua espera assim como seu lucro de uma semana. O lucro voltou ao mar e o marinheiro inconsolável voltou ao porto. Uma semana depois, desembarcou desta vez vitorioso, com o sustento de um mês inteiro.
Este experiente pescador tinha nome, sobrenome e apelido. O Nome era Luís, o sobrenome e o apelido não vêm ao caso. Não morreu no mar, como nos sonhos, nem na foz do rio, como nos pesadelos, mas em terra firme, como quis o destino. Saiu do povoado para se tratar de uma doença associada à sua profissão, atravessou a foz e continua em mar aberto em minha memória"