Ao Capitão Luís
O texto abaixo foi escrito por
Almir Amarante Ribeiro
"Esta estória começa em uma pequena vila de pescadores ao sul da Bahia. Eu tinha uns dez ou onze anos de idade e passava as férias naquele lugar. Nunca havia visto tantos coqueiros de uma só vez e o mar que vi em férias anteriores não era tão bonito quanto aquele. Ali, a orla era enorme e podia-se caminhar por quase um dia inteiro em qualquer sentido sem que fosse incomodado sequer pela própria sombra. Fui mais além do que minhas pernas agüentavam para conhecer o encontro de um rio com o oceano Atlântico.
Na tarde anterior vi os adultos conversando sobre a amizade que fizeram com alguns pescadores que os convidaram para um passeio em alto-mar. O convite já me despertou curiosidade, mas me contentei em conhecer a foz de um rio no dia seguinte. Fui andando em direção ao desconhecido e avistei aquele povoado que ficava um pouco depois do encontro das águas, e para ser sincero, não consegui identificá-lo, já que não sabia onde terminava o rio e onde começava o mar.
Minha primeira impressão foi de que aquelas águas do improvisado porto
deixavam a vida tranquila para seguir seu curso e fincar raízes no mar, mesmo que este as obrigasse recuar, assim como as águas do rio faziam em sentido contrário. Ali naquele vilarejo, com margens inocentes e tranquilas, um pouco antes do encontro entre rio e oceano, víamos pescadores cheios de certezas e donos de suas vidas saírem antes do alvorecer com seus pequenos barcos para perseguir a sorte. Aqueles homens ao zarparem pela madrugada e em poucos minutos passarem pela foz, feroz como sempre, respiravam aliviados por terem cruzado o primeiro obstáculo, seguindo rumo ao desconhecido em suas cascas de nozes; indefesos e tementes.
Fui criado longe dali, numa cidade diferente daquela vila que era iluminada por lampiões, bem distante de gente que dormia e acordava cedo para o sustento de sua e da próxima geração. Parece estranho dizer assim, mas estes pescadores não podiam se dar o direito de pensar nas próximas gerações, já que um homem de 50 anos era um velho. A pele carcomida pelo sal, o sol e a distância entre o mar e a terra, fazia-lhes esquecer até o nome dos filhos.
Estes homens ficavam vários dias em seus barcos, sem comunicação com a família, sem saber se iriam encontrar tudo como era antes e sem mesmo ter a certeza de que iriam voltar para os seus. Acho que para esses pescadores, o momento mais difícil devia ser o cruzar a foz do rio. Depois de passar por todas as provações do mar aberto, naufragar perto de casa, devia ser o pior dos pesadelos.
Numa dessas férias, vi isso acontecer. Um experiente pescador, no afã de chegar logo ao porto, enfrentou as águas traiçoeiras, tentando inutilmente domar o mar e o rio. Seu barco só não naufragou, porque era dia e todos estavam a sua espera assim como seu lucro de uma semana. O lucro voltou ao mar e o marinheiro inconsolável voltou ao porto. Uma semana depois, desembarcou desta vez vitorioso, com o sustento de um mês inteiro.
Este experiente pescador tinha nome, sobrenome e apelido. O Nome era Luís, o sobrenome e o apelido não vêm ao caso. Não morreu no mar, como nos sonhos, nem na foz do rio, como nos pesadelos, mas em terra firme, como quis o destino. Saiu do povoado para se tratar de uma doença associada à sua profissão, atravessou a foz e continua em mar aberto em minha memória"
Almir Amarante Ribeiro
"Esta estória começa em uma pequena vila de pescadores ao sul da Bahia. Eu tinha uns dez ou onze anos de idade e passava as férias naquele lugar. Nunca havia visto tantos coqueiros de uma só vez e o mar que vi em férias anteriores não era tão bonito quanto aquele. Ali, a orla era enorme e podia-se caminhar por quase um dia inteiro em qualquer sentido sem que fosse incomodado sequer pela própria sombra. Fui mais além do que minhas pernas agüentavam para conhecer o encontro de um rio com o oceano Atlântico.
Na tarde anterior vi os adultos conversando sobre a amizade que fizeram com alguns pescadores que os convidaram para um passeio em alto-mar. O convite já me despertou curiosidade, mas me contentei em conhecer a foz de um rio no dia seguinte. Fui andando em direção ao desconhecido e avistei aquele povoado que ficava um pouco depois do encontro das águas, e para ser sincero, não consegui identificá-lo, já que não sabia onde terminava o rio e onde começava o mar.
Minha primeira impressão foi de que aquelas águas do improvisado porto
deixavam a vida tranquila para seguir seu curso e fincar raízes no mar, mesmo que este as obrigasse recuar, assim como as águas do rio faziam em sentido contrário. Ali naquele vilarejo, com margens inocentes e tranquilas, um pouco antes do encontro entre rio e oceano, víamos pescadores cheios de certezas e donos de suas vidas saírem antes do alvorecer com seus pequenos barcos para perseguir a sorte. Aqueles homens ao zarparem pela madrugada e em poucos minutos passarem pela foz, feroz como sempre, respiravam aliviados por terem cruzado o primeiro obstáculo, seguindo rumo ao desconhecido em suas cascas de nozes; indefesos e tementes.
Fui criado longe dali, numa cidade diferente daquela vila que era iluminada por lampiões, bem distante de gente que dormia e acordava cedo para o sustento de sua e da próxima geração. Parece estranho dizer assim, mas estes pescadores não podiam se dar o direito de pensar nas próximas gerações, já que um homem de 50 anos era um velho. A pele carcomida pelo sal, o sol e a distância entre o mar e a terra, fazia-lhes esquecer até o nome dos filhos.
Estes homens ficavam vários dias em seus barcos, sem comunicação com a família, sem saber se iriam encontrar tudo como era antes e sem mesmo ter a certeza de que iriam voltar para os seus. Acho que para esses pescadores, o momento mais difícil devia ser o cruzar a foz do rio. Depois de passar por todas as provações do mar aberto, naufragar perto de casa, devia ser o pior dos pesadelos.
Numa dessas férias, vi isso acontecer. Um experiente pescador, no afã de chegar logo ao porto, enfrentou as águas traiçoeiras, tentando inutilmente domar o mar e o rio. Seu barco só não naufragou, porque era dia e todos estavam a sua espera assim como seu lucro de uma semana. O lucro voltou ao mar e o marinheiro inconsolável voltou ao porto. Uma semana depois, desembarcou desta vez vitorioso, com o sustento de um mês inteiro.
Este experiente pescador tinha nome, sobrenome e apelido. O Nome era Luís, o sobrenome e o apelido não vêm ao caso. Não morreu no mar, como nos sonhos, nem na foz do rio, como nos pesadelos, mas em terra firme, como quis o destino. Saiu do povoado para se tratar de uma doença associada à sua profissão, atravessou a foz e continua em mar aberto em minha memória"
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